Muitas vezes, somos levados a pensar que toda prática oracular é mediúnica. No caso do Tarô, a mediunidade fica em segundo plano e cede lugar, durante a leitura, à supremacia das cartas, chamadas de Arcanos. Isto quer dizer que não podemos extrapolar o que estes nos dizem, sob o risco de impormos o nosso ponto de vista e de oferecermos uma perspectiva contaminada ao consulente.
Numa tiragem, os Arcanos são combinados e nos contam uma história. Ao lermos a narrativa trazida por eles, oferecemos ao consulente indicações simbólicas, as quais vão fazer sentido em sua vida e vão ajudá-lo a encontrar as respostas de que necessita. O cliente é o dono da sua própria história, inclusive durante um jogo de Tarô. Nós, tarotistas, não chegamos a uma leitura conhecendo a verdade. Junto com o cliente, navegamos nos símbolos, a montarmos um quebra cabeças muito elucidativo.
Cada arcano retrata uma cena, em que estão sintetizados significados que se ligam a tempos históricos muito distantes. Além disto, uma carta de Tarô, dado o seu poder arquetípico, permite-nos fazer uma viagem ainda mais longa e difícil até o inconsciente individual e o coletivo. Não é necessário algo além do que está nas cartas, para que possamos decifrar a sua mensagem e alcançar este âmbito da existência humana. Todavia, o conteúdo de um arcano é quase infinito. A seleção do que nele está contido é feita pela intuição, mas aquela seleção não prescinde do conhecimento prévio da simbologia tarológica.
Permita-me demonstrar o caminho que se faz na interpretação de uma carta, numa consulta de Tarô. Usarei como exemplo o Arcano Maior nº 2, Sacerdotisa.

Trata-se do primeiro arquétipo feminino do tarô. Na carta, vemos uma sacerdotisa sentada, imóvel e impassível, entre as duas colunas que marcam a entrada do templo de que ela é a guardiã. Atrás, um véu indica que não conseguiremos, facilmente, ver os segredos guardados pela enigmática mulher.
Este poderoso Arcano remete-nos à história de Manfreda Visconti, uma mulher que chegou ao posto de Papa, entre os anos de 1280 e 1300, ano em que foi assassinada pela inquisição, na Itália. Porém, outras deidades são evocadas. O arcano Sacerdotisa leva-nos à deusa egípcia Isis, além de nos fazer mergulhar na Cabalah e encontrar Shekinah. Liga-nos, ainda, à lua e a sua qualidade cíclica e mutável, o que, por sua vez, lança-nos no elemento água.
Esta carta nos fala da concepção de uma vida, que ocorre no escuro uterino, ou no fundo da terra, espaços em que os nossos olhos não alcançam, onde ocorre uma magia que nos fascina e nos amedronta, desde sempre. Conceber a nós mesmos, por sua vez, implica fecharmos os olhos, para podermos olhar para dentro, até alcançarmos o fundo da nossa mente. Atravessando-a, poderemos vislumbrar, mesmo que de relance, o mistério que existe para além das colunas do templo da Sacerdotisa. Eis porque este arcano é considerado a representação do próprio Tarô.
Numa leitura, a Sacerdotisa tem a ver com estados de espírito reflexivos e oscilantes, ou com momentos de silêncio e de inércia, em que chegamos a estar tontos pelas luzes que piscam diante e dentro de nós. Somos levados, por este Arcano, a revistar as nossas memórias e a tocar as nossas ilusões e anseios. Mais do que isto, somos informados de que a vida na Terra não se restringe ao que percebemos através dos cinco sentidos.
Mais concretamente ainda, a Sacerdotisa, dentre outras coisas, pode ser o retrato de uma relação mal resolvida com uma mãe, um relacionamento amoroso que se esfriou, uma vida financeira que não indica grandes mudanças no curto prazo, ou, ainda, uma pessoa em busca de se conhecer melhor, aberta para o tudo que brotar das suas profundezas internas, ou que se lhe chegar pela via espiritual.
Sem aquele conhecimento, a leitura fica mais pobre, porque, na combinação das cartas, esta Sacerdotisa pode permitir outras interpretações. Inclusive, ao descrevermos a simbologia de um arcano, o cliente faz uma conexão própria, que o levará a rever uma situação do passado, seja ela benéfica ou traumática. Isto o ajudará a superar um incômodo presente.
O que uma leitura de tarô promove, pela via simbólica, é a construção de um caminho no qual o tarólogo convida o consulente a passear. Ao ser apresentado à enorme riqueza arquetípica dos Arcanos dispostos num jogo, ele passa a ler as cartas em conjunto connosco. É esta faceta interativa que tem feito do Tarô um dos oráculos mais queridos, desde, pelo menos, os tempos da papisa Manfreda.