O uso da razão é considerado o valor máximo da cultura ocidental. O aprimoramento do método científico e a centralidade do modelo cartesiano deram-nos a possibilidade de evoluirmos tecnologicamente, porém massacrou a nossa capacidade imaginativa e ampliou significativamente a força das estruturas mais dogmáticas de poder.
A humanidade ocidental foi-se atrofiando, no que diz respeito ao uso da linguagem simbólica como um meio de explicação da realidade. Jogamos para debaixo do tapete existencial uma gama enorme de conhecimentos acumulados ao longo de milénios, conhecimentos estes que passaram a ser rechaçados e, em alguns momentos, foram, inclusive, considerados ilícitos.

Contudo, uma civilização sem a componente abstrata não é viável. Assim, aos poucos, temos visto a recomposição do ‘esoterismo’ e a sua inclusão entre as áreas de saber consideradas legítimas. Tal avanço é, em grande parte, devido à teoria de Carl Jung em torno do inconsciente coletivo. Este pode ser compreendido como uma espécie de baú, onde estão guardados inúmeros referenciais simbólicos, derivados de narrativas ancestrais. Por meio deles, somos capazes de representar sensações, sentimentos e perceções, impossíveis de serem traduzidos em sentenças discursivas ou em equações aritméticas.
Atualmente, percebemos que o número de interessados em aprender ou em se consultarem com os mais diversos oráculos aumentou sobremaneira. Independentemente do contexto de origem ou da classe social, muitos homens e mulheres ocidentais têm buscado estas ferramentas para acederem os meandros mais obscuros das suas individualidades, bem como para interpretarem fenómenos sociais. A tarologia, especialmente, tem vindo a ganhar com esta retomada.
O Tarô é um dos oráculos mais conhecidos dentre todos. A Antropologia demonstra que, para o homem e a mulher sob influência da cultura euro-americana, a sua presença no cotidiano das famílias e das comunidades tem sido constante. Muitos podem pensar que ele é utilizado como jogo lúdico, porém, é preciso lembrar que o uso das cartas para a interpretação do passado e do presente e para a previsão do futuro precede o recreativo. Isto, porque, cada Arcano é um artigo exemplar daquilo que Jung chama de arquétipo.
Entende-se por arquétipo uma imagem síntese de uma mensagem multifacetada e muito mais ampla do que um conceito. Diferente deste, o arquétipo não está restringido por uma fórmula. Ele é um verdadeiro disparador de possibilidades interpretativas, as quais variam de acordo com os olhos de quem o lê e das circunstâncias em que ele é lido.
Todos sabemos o que significa um Carro, um Louco, um Imperador, ou um Eremita. Igualmente, compreendemos o mito do Julgamento, a beleza transmissora da esperança da Estrela, a presença desconcertante e contraditória do Diabo etc. Sendo assim, a leitura do Tarô transmite ideias e sugestões, capazes de aguçar a imaginação dos envolvidos na consulta e de fazê-los encontrar, instintivamente, respostas para os seus dilemas e caminhos para o autoconhecimento.

O que está contido numa carta é, portanto, facilmente compreendido pelo inconsciente individual e é desta identificação que resulta a magia oracular do Tarô. Ao consultarmos os Arcanos, acessamos aquele grande baú e passamos a falar a língua dos sonhos e do espírito. Graças a esta transcendência, viajamos no tempo e enxergamos o que não se enxergaria com um régua ou com um microscópio.
O grande desafio da nossa humanidade, a meu ver, consiste em recuperar a gramática dos símbolos e voltar a fazer dela uma porta de acesso ao campo subtil da nossa existência. Serão, com este desbloqueio, curadas muitas doenças psicossomáticas e corrigidos os rumos da História, de modo a fazermos as pazes com a Natureza.
Mais do que tudo, com o retomar da nossa capacidade de compreendermos a vida também através da linguagem arquetípica, ampliaremos enormemente a nossa mentalidade e recriaremos o mundo, a partir de bases intelectuais maleáveis e, por isto mesmo, libertadoras.